quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

- EU ESTOU DE OLHO -


Impressionante notar a eficácia dos artifícios publicitários quando estes se propõem a imprimir ou ratificar atitudes no imaginário comum. Com este mecanismo, os publicitários constroem estruturas fictícias que se confundem facilmente com a realidade, de forma a tornar o seu produto ou marca aceitável, validando-a. Quando lidamos com bons comerciantes, somos induzidos à compra de um determinado produto que não necessariamente se dará pela qualidade do produto em si mas pela imagem que construímos dele, tornando-o indispensável para a nossa vida. Estas estratégias são as que definem se o consumidor irá optar por esta ou aquela marca. A qualidade, o conteúdo e a lógica não entram no mérito. O problema acontece quando este produto é vendido por aqueles que representam o nosso Estado.

Gostaria de fazer ao leitor um convite: assistir a última propaganda da Justiça Federal. O produto vendido em questão é a democracia. O Público-Alvo são os brasileiros obrigados a votar.

Para aqueles que nunca assistiram à propaganda, farei uma breve descrição: dentro de uma sala de aula, a professorinha ensina a sua turma (eleitores) como exercer a democracia através da repetição exaustiva do Jargão “Eu estou de olho” em concordância do verbo com os pronomes pessoais. Enquanto a professorinha faz a sua turma repetir uníssona tal concordância, um locutor fala sobre a importância do voto e questiona o telespectador se ele “está de olho” no trabalho daqueles que foram eleitos para os cargos públicos. Para isso, o locutor cita os cargos eletivos: deputado federal, deputado estadual, senador, governador, presidente da República, blá blá blá. No final, o locutor diz que o voto vale tanto quanto o Brasil.

Admito que nunca vi uma demonstração mais risível de inércia política. A propaganda em si é uma piada. Se caminharmos pelo pensamento lógico, veremos que ninguém que repete frases feitas de maneira mecânica pode fiscalizar alguma coisa. É quase um deboche. Além do mais, se formos otimistas e pensarmos que o cidadão lembra perfeitamente em quem votou nas últimas eleições, isto nada valeria se o cidadão não souber distinguir o cargo de senador ao de um prefeito, o cargo de um deputado ao de um presidente. Creio que para se fiscalizar um deputado, é necessário saber o que é uma “Câmara dos Deputados”. Da mesma forma, para se fiscalizar o Presidente, é necessário saber quais os poderes a ele concedidos como chefe de governo e Chefe de Estado. Sem o prévio conhecimento do funcionamento dos três poderes, do que adianta um cidadão comum “estar de olho”?

Esfacela-se a democracia a partir do momento em que o povo, elemento para o qual o governo é destinado, não conhece as instituições de seu país e, pior do que isso, trata de se afastar delas constantemente. A distância entre representantes e representados é uma realidade que se imprime em cada eleição para cargos públicos, não importa se na esfera federal, estadual ou mesmo municipal. Cada vez mais o povo vota de acordo com o “santinho” que este recebe nas bocas de urna, a cada eleição os votos “brancos e nulos” aparecem em crescente volume ao ponto de rivalizar com os “votos válidos”.

Este é o resultado de uma estrutura política ineficiente, demagoga e viciada onde a credibilidade e a idoneidade de instituições centenárias são postas à prova. O produto da publicidade elaborada pela Justiça Federal nada mais é do que a prova cabal de que a democracia no Brasil está profundamente comprometida.

De que adianta mandar o cidadão humilde “ficar de olho” no deputado ou vereador de sua cidade se ele não sabe O QUE É um deputado ou um vereador? Este tipo de brincadeira é inadmissível num país tão carente de orientação cultural e política.

As tentativas de se afirmar um estado democrático servem apenas para justificar a dominação de grandes oligopólios (partidos) sobre os privilégios de seu poder (estado). A política afasta-se de sua real finalidade que é a proteção do Bem Público para assumir uma condição de usufruto do poder sem procedentes! O estado serve apenas para sustentar partidos e os partidos para se beneficiar do estado. Enquanto um novo episódio de corrupção se aproxima, o estado brasileiro vê-se na árdua tarefa de afirmar incontáveis vezes tal democracia fajuta que muito mais assombra do que governa. Não se pode haver democracia sem um povo livre e ciente de sua cidadania. Aquele que usa as mazelas do povo para a auto-promoção política não tem autoridade para falar em democracia. O voto conseguido através da manutenção da miséria não vale tanto quanto o Brasil. Vale tanto quanto à corrupção e tanto quanto aqueles que a praticam.

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