terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ditadura e os Vermelhos

Geralmente uma abordagem desse período no Brasil tende a ser tendenciosa, eu diria, profícua no sentido propagandista de toda a esquerda no Brasil. Há de se fazer um balanço ajustado sobre este período com os prós e os contras medidos na balança desta misérrima república a qual crescemos e vivemos.

Dizer simplesmente que foi uma ditadura não basta. Afinal, não foi a única ditadura de nossa república tampouco foi a mais sanguinária. Há pessoas que falam mal de nosso período militar mas cultuam homens de personalidades duvidosas como Stalin, Fidel e Che Guevara. Deve-se notar o apoio à classe média, ao ensino tecnicista (mesmo que mal planejado, o que gerou muitas perdas na nossa educação) e o boom editorial (ainda que dado a interesses pouco louváveis).

Quando refletimos sobre a repressão ao comunismo, vemos a principal característica deste chamado "sistema de governo": trabalhar incansavelmente para um estado opulento onde apenas um domina os "comuns". Ora, tratar democraticamente alguém cujo principal foco é tomar as riquezas de um estado para si em nome dos "comuns" é a mesma coisa que levar porrada na cara e dizer que foi "sem querer".

Os partidos de esquerda provaram-se no Brasil os verdadeiros aduladores da miséria de nosso povo. Pregam o benefício fácil dos pobres através da espoliação dos trabalhadores, ou seja, aqueles que lutam para ganhar o pão. Ao invés de investir em políticas públicas de habilitação para os menos favorecidos, tratam de de doutriná-los para uma luta contra o próprio povo, promovendo a desunião e dificultando as relações sociais entre os mesmos. Ao invés de uma educação de ponta, os partidos de esquerda exploram a necessidade dos mais humildes dando-lhes pequenas doses de sobrevivência. A cultura do "pelo menos" é um grande atrativo dos partidos de esquerda; O mérito, requisito indispensável para um povo saudável e empreendedor, não é algo muito atrativo. Aliás, para a esquerda os pobres só precisam comer.

Comer e votar.

Portanto, se há dignidade ainda no valor humano e se podemos ainda usar da pouca liberdade que ainda hoje nos é assegurada, temos de nos voltar contra aqueles que vêem na miséria de nossa gente um atrativo eleitoral. Não falo apenas dos comunistas mas de todos os que assim procedem pois tratar o povo brasileiro como manobra de poder é no mínimo um desperdício, no máximo, um genocídio.

Enquanto debatemos sobre um país mais próspero e mais justo, o presente governo seduz com mesquinhez os jovens que estão em processo de formação intelectual e os humildes que agradecem à falsa generosidade.
Se hoje atravessamos um período de crise sem procedências, temos de nos lembrar que este povo é sim empreendedor e que muitas vezes já provou o seu valor, não devendo em nada para os povos que estão sendo melhores representados na Europa.

A cada 4 anos uma luz de esperança acende nos olhos deste povo mas esta luz vem da avareza partidária e dos interesses escusos daqueles que financiam nossos governantes. Enquanto o Brasil não prezar pela excelência, será sempre um país, não em desenvolvimento – pois este é falso – mas um celeiro inesgotável de mazelas oriundas de más políticas oportunistas. Este foi o país que se criou, não em 1964, mas um tanto antes. Perdemos tudo quando deixamos que os partidos políticos tomassem a chefia de estado para si no primeiro golpe da história brasileira.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Novalis - Hinos Para a Noite


Certa vez, quando derramava lágrimas amargas, que minha esperança, dissolvida na dor, se esvaía, e eu permanecia só sobre uma colina estéril que em seu contorno escuro, baixo, ocultava a desvanecida forma de minha Vida; só como ninguém jamais havia sido, tocado por uma angústia indescritível, privado de forças, e nada mais restava exceto a consciência da miséria; - enquanto olhava ao meu redor em busca de socorro; não podia avançar nem retroceder, e enfraquecido com a perda, extinguí minha vida com uma saudade sem fim; então surgiu das distâncias azuis, das profundezas de meu júbilo passado, uma chuva brilhante, crepuscular; e num só momento romperam-se as amarras do nascimento, os grilhões da Luz. Ao longe fugiu a glória da Terra, e com ela meus lamentos. A tristeza fluiu num mundo novo e inescrutável. Tu, ó inspiração da Noite, Sono celestial, viestes sobre mim. O local elevou-se suavemente, e acima pairou meu espírito recém-nascido, ilimitado. A colina tornou-se uma nuvem de poeira e envolveu-me, e na nuvem vislumbrei a glorificada face de minha Amada. Em seus olhos jazia a eternidade. Apertei suas mãos e minhas lágrimas tornaram-se um laço ardente e indestrutível. Milhares de anos fluíram ao longe nas distâncias do relâmpago e da tempestade. Em seu dorso eu saudei a nova vida com lágrimas e êxtase. Jamais tive tal sonho novamente; desde então e para sempre eu mantenho uma fé eterna e inabalável no Céu da Noite; e em seu sol, a Amada.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

173 anos do Falecimento de D. Pedro I*




"Transformar em realidade o sonho de independência de Tiradentes, mantendo o país unido, não foi obra fácil. A comemoração dos 170 anos de nossa Independência, neste mês de setembro (1992), é uma boa oportunidade para revermos a ótica unidimensional e não raro distorcida com que é freqüentemente apresentado o personagem principal daquele 7 de Setembro de 1822 Pedro I.

Sua história tem o fascínio dos romances dos cavaleiros andantes, daqueles que em sua passagem abrem novos horizontes e criam novos mundos. O nascimento, em 1798, na sala Dom Quixote, do Palácio de Queluz, próximo a Lisboa, era já prenúncio de suas múltiplas andanças. Muito jovem ainda, com apenas nove anos, atravessou o Atlântico junto com sua família, que transmigrou para o Brasil por sábia decisão de seu pai, o futuro Dom João VI. Foi criado no bairro de São Cristóvão, em contato direto com todos os segmentos da sociedade. Conheceu o povo de alto a baixo. Assim, aprendeu a amar a nova terra e a se fazer querido junto à população.

Mas, afinal, quem foi Dom Pedro I?

A História oficial tem sido parcial em seus registros. Prefere a superfície à substância. O retrato que nos mostra não é de corpo inteiro. Com freqüência, acentua o lado impulsivo, apaixonado e por vezes autoritário de Pedro I, como se sua figura histórica não passasse de um monte de emoções desconexas. Costuma deixar de fora quase tudo que ultrapassa sua dimensão romântica. Pouco se fala do homem que se identificou abertamente com as idéias liberais de seu tempo, a ponto de ser contra a escravidão e a favor do trabalho assalariado, por entender que o instituto servil corrompia não só o escravo mas, também, o senhor; do músico, que teve uma abertura sua regida pelo grande Rossini; do general de gênio, que soube conduzir brilhantemente a campanha constitucionalista contra Dom Miguel, seu irmão absolutista, e do legislador, que deixou sua marca em duas dentre as primeiras cartas constitucionais adotadas no mundo, a nossa e a portuguesa.

Pedro I foi também e muito marcado pelo signo da dualidade. Ao se fazer esta afirmação, não se quer desculpá-lo, mas, sem ter isto claro, é impossível compreender o modo como atuou em nossa história. Foi, de fato, política, geográfica e até fisicamente dividido. No plano político, ele sofreu os efeitos de ter sido criado na tradição absolutista portuguesa e de ter feito uma opção constitucional. Na geografia, um oceano separava o Brasil de Portugal. As implicações geopolíticas eram claras, trazendo à tona a dificuldade, se não a impossibilidade de manter os dois países unidos. Fisicamente, nem mesmo a morte livrou Pedro I da dualidade. Seu coração está depositado em Portugal, e os ossos foram trazidos para sua outra pátria, o Brasil, mais precisamente para a cidade de São Paulo.

Se ele, por vezes, errava no varejo, nunca se equivocou no atacado. Nos grandes momentos de sua vida, soube fazer a opção correta. Nunca se prestou à inglória tarefa de tentar fazer retroceder os ponteiros da História. Caminhou e ajudou a caminhar na direção certa.

Foi assim no memorável dia do Fico, em que não fugiu à responsabilidade, em que não se omitiu perante a terra que o acolhera em plena adolescência e juventude. Assim foi quando preferiu proclamar nossa independência a reduzir o Brasil novamente à humilhante condição de colônia, como queriam as cortes portuguesas. Foi assim quando preferiu aceitar o princípio da limitação do poder real a continuar nas vias tortuosas do absolutismo. Assim foi quando preferiu abdicar, em 1831, a jogar o Brasil numa provável guerra civil. E foi assim, ainda uma vez mais, quando não titubeou em dar combate armado ao absolutismo de seu próprio irmão para que a Constituição portuguesa não se transformasse num pedaço de papel rasgado.

Mas este homem, que homenageamos a cada 7 de setembro, fez muito mais do que simplesmente proclamar nossa independência. Empenhou-se em construir instituições que pudessem dar solidez à nova nação que surgia no concerto das demais. Refiro-me aqui a um capítulo muito especial da biografia de Pedro I: a Constituição que nos legou. Visões simplistas preferem desmerecê-la por ter sido outorgada e não promulgada. Este, entretanto, não é o cerne da questão. O que importa saber, a respeito de qualquer texto constitucional, é se ele dispõe de instrumentos eficazes na cobrança de responsabilidade e de punição dos desmandos perpetrados pelos governantes de um país, vale dizer, por aqueles cuja obrigação é defender e resguardar o interesse público. É isto que separa o faz-de-conta da coisa séria. Foi certamente por reconhecer que nossa Carta Imperial dispunha desses dispositivos que o insuspeito Afonso Arinos afirmou ter sido ela a melhor Constituição que o país já teve.

O momento histórico ora vivido por todos nós deixa à mostra as feias entranhas da República. A ausência de regras ágeis para administrar as crises comprova, mais uma vez, sua incompetência institucional. As distorções são de tal ordem que muitos aceitam o engodo de que é preciso em cartório a culpa do presidente. Esquecem que governo é questão de confiança. Uma vez perdida a confiança, o governo, o gabinete, não teria mais como sobreviver.

Os países mais avançados do mundo atual não abrem mão deste princípio. Afinal, poder bom é poder fiscalizado e prontamente punido, quando necessário. Nossa Constituição Imperial, ao admitir a dissolução da Câmara dos Deputados, com a convocação imediata de novas eleições, permitia a rápida e incruenta destituição dos maus governos. Este dispositivo eliminava, no nascedouro, os malefícios que tais governos certamente causariam e operacionalizava, com um século de antecedência, proposta semelhante desenvolvida por Karl Popper como sendo a única realmente capaz de preservar o interesse público. Em poucas palavras: o povo tinha vez e voz. Assim o fazia porque dele não tinha medo. E não tinha medo do povo porque colocava o interesse público em primeiro lugar requisito básico para que um país dê certo.

No combate à corrupção, a lei de 15 de outubro de 1827 dá testemunho das preocupações de Pedro I com o tema. Era uma lei draconiana na responsabilização dos ministros, secretários de Estado e conselheiros por crimes contra a coisa pública. A punição exemplar era regra, que a corrupta prática republicana brasileira jamais quis seguir. E somente a certeza da total impunidade reinante explica o completo descalabro a que chegamos."

*Gastão Reis Rodrigues Pereira, Publicado no Jornal do Brasil, setembro de 1992.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

É PRECISO PARAR DE MENTIR!*

É preciso parar de mentirA ministra Dilma quer mesmo ser candidata à Presidência da República? Deve começar por não mentir. Sei que ela pode dizer que a mentira rende e que o meu conselho é desmentido pelos fatos. É que sou um moralista. Não um político. A CPMF é paga pelos quase 200 milhões de brasileiros, sim! E o imposto incide muitas vezes sobre o mesmo dinheiro. Dilma, na juventude, estava empenhada em mudar o regime e não deve ter estudado matemática. Querem a prova?Quanto o governo espera arrecadar com a CPMF de 0,38%? Algo em torno de R$ 40 bilhões, certo? Vamos fazer uma regra de três?Se R$ 40 bilhões correspondem a 0,38%, que valor corresponderia a 100%?Assim ensinou a nossa professorinha:

R$ 40.000.000.000,00 = 0,38%

x = 100%

Multiplica-se em cruz e faz-se a divisão:
0,38x = R$ 40.000.000.000,00 X 100x =----4.000.000.000.000,00_________________________ ----.............. 0,38

x = 10.526.315.789.473,68

E você chegará à conclusão, leitor amigo, que os R$ 40 bilhões correspondem à aplicação da alíquota de 0,38% sobre, atenção!: R$ 10.526.315.789.473,68.

Se você tiver dificuldade de ler, eu ajudo: dez trilhões, quinhentos e vinte e seis bilhões, trezentos e quinze milhões, setecentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três reais e sessenta e oito centavos.É isso aí. A CPMF incide no correspondente A QUASE CINCO PIBs BRASILEIROS em um único ano. Eis aí! Trata-se da prova material, escancarada, evidente, de que o imposto tributa muitas vezes um mesmo dinheiro e de que TODOS PAGAM, ministra Dilma. E muitas vezes.

*Créditos atribuidos ao amigo monarquista Jean Tamarazo.

Edgar Allan Poe - O Retrato Oval


O castelo em que o meu criado se tinha empenhado em entrar pela força, de preferência a deixar-me passar a noite ao relento, gravemente ferido como estava, era um desses edifícios com um misto de soturnidade e de grandeza que durante tanto tempo se ergueram nos Apeninos, não menos na realidade do que na imaginação da senhora Radcliffe. Tudo dava a entender que tinha sido abandonado recentemente. Instalámo-nos num dos compartimentos mais pequenos e menos sumptuosamente mobilados, situado num remoto torreão do edifício. A decoração era rica, porém estragada e vetusta. Das paredes pendiam colgaduras e diversos e multiformes trofeus heráldicos, misturados com um desusado número de pinturas modernas, muito alegres, em molduras de ricos arabescos doirados. Por esses quadros que pendiam das paredes - não só nas suas superfícies principais como nos muitos recessos que a arquitectura bizarra tornara necessários - , por esses quadros, digo, senti despertar grande interesse, possivelmente por virtude do meu delírio incipiente; de modo que ordenei a Pedro que fechasse os maciços postigos do quarto, pois que já era noite; que acendesse os bicos de um alto candelabro que estava à cabeceira da minha cama e que corresse de par em par as cortinas franjadas de veludo preto que envolviam o leito. Quis que se fizesse tudo isto de modo a que me fosse possível, se não adormecesse, ter a alternativa de contemplar esses quadros e ler um pequeno volume que acháramos sobre a almofada e que os descrevia e criticava.Por muito, muito tempo estive a ler, e solene e devotamente os contemplei. Rápidas e magníficas, as horas voavam, e a meia-noite chegou. A posição do candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade para não perturbar o meu criado que dormia, coloquei-o de modo a que a luz incidisse mais em cheio sobre o livro.Mas o movimento produziu um efeito completamente inesperado. A luz das numerosas velas (pois eram muitas) incidia agora num recanto do quarto que até então estivera mergulhado em profunda obscuridade por uma das colunas da cama. E assim foi que pude ver, vivamente iluminado, um retrato que passava despercebido. Era o retrato de uma jovem que começava a ser mulher. Olhei precipitadamente para a pintura e acto contínuo fechei os olhos. A principio, eu próprio ignorava por que o fizera. Mas enquanto as minhas pálpebras assim permaneceram fechadas, revi em espírito a razão por que as fechara. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pensar - para me certificar que a vista não me enganava -, para acalmar e dominar a minha fantasia e conseguir uma observação mais calma e objectiva. Em poucos momentos voltei a contemplar fixamente a pintura.Que agora via certo, não podia nem queria duvidar, pois que a primeira incidência da luz das velas sobre a tela parecera dissipar a sonolenta letargia que se apoderara dos meus sentidos, colocando-me de novo na vida desperta.O retrato, disse-o já, era de uma jovem. Apenas se representavam a cabeça e os ombros, pintados à maneira daquilo que tecnicamente se designa por vinheta - muito no estilo das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o peito, e inclusivamente as pontas dos cabelos radiosos, diluíam-se imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que constituía o fundo. A moldura era oval, ricamente doirada e filigranada em arabescos. Como obra de arte, nada podia ser mais admirável que o retrato em si. Mas não pode ter sido nem a execução da obra nem a beleza imortal do rosto o que tão subitamente e com tal veemência me comoveu. Tão-pouco é possível que a minha fantasia, sacudida da sua meia sonolência, tenha tomado aquela cabeça pela de uma pessoa viva. Compreendi imediatamente que as particularidades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado por completo uma tal ideia - devem ter evitado inclusivamente qualquer distracção momentânea. Meditando profundamente nestes pontos, permaneci, talvez uma hora, meio deitado, meio reclinado, de olhar fito no retrato. Por fim, satisfeito por ter encontrado o verdadeiro segredo do seu efeito, deitei-me de costas na cama. Tinha encontrado o feitiço do quadro na sua expressão de absoluta semelhança com a vida, a qual, a princípio, me espantou e finalmente me subverteu e intimidou. Com profundo e reverente temor, voltei a colocar o candelabro na sua posição anterior. Posta assim fora da vista a causa da minha profunda agitação, esquadrinhei ansiosamente o livro que tratava daqueles quadros e das suas respectivas histórias. Procurando o número que designava o retrato oval, pude ler as vagas e singulares palavras que se seguem:«Era uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre. E maldita foi a hora em que viu, amou e casou com o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, tendo já na Arte a sua esposa. Ela, uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre, toda luz e sorrisos, e vivaz como uma jovem corça; amando e acarinhando a todas as coisas; apenas odiando a Arte que era a sua rival; temendo apenas a paleta e os pincéis e outros enfadonhos instrumentos que a privavam da presença do seu amado. Era pois coisa terrível para aquela senhora ouvir o pintor falar do seu desejo de retratar a sua jovem esposa. Mas ela era humilde e obediente e posou docilmente durante muitas semanas na sombria e alta câmara da torre, onde a luz apenas do alto incidia sobre a pálida tela. E o pintor apegou-se à sua obra que progredia hora após hora, dia após dia. E era um homem apaixonado, veemente e caprichoso, que se perdia em divagações, de modo que não via que a luz que tão sinistramente se derramava naquela torre solitária emurchecia a saúde e o ânimo da sua esposa, que se consumia aos olhos de todos menos aos dele. E ela continuava a sorrir, sorria sempre, sem um queixume, porque via que o pintor (que gozava de grande nomeada) tirava do seu trabalho um fervoroso e ardente prazer e se empenhava dia e noite em pintá-la, a ela que tanto o amava e que dia a dia mais desalentada e mais fraca ia ficando. E, verdade seja dita, aqueles que contemplaram o retrato falaram da sua semelhança com palavras ardentes, como de um poderosa maravilha, - prova não só do talento do pintor como do seu profundo amor por aquela que tão maravilhosamente pintara. Mas por fim, à medida que o trabalho se aproximava da sua conclusão, ninguém mais foi autorizado na torre, porque o pintor enlouquecera com o ardor do seu trabalho e raramente desviava os olhos da tela, mesmo para contemplar o rosto da esposa. E não via que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces daquela que posava junto a ele. E quando haviam passado muitas semanas e pouco já restava por fazer, salvo uma pincelada na boca e um retoque nos olhos, o espírito da senhora vacilou como a chama de uma lanterna. Assente a pincelada e feito o retoque, por um momento o pintor ficou extasiado perante a obra que completara; mas de seguida, enquanto ainda a estava contemplando, começou a tremer e pôs-se muito pálido, e apavorado, gritando em voz alta 'Isto é na verdade a própria vida!', voltou-se de repente para contemplar a sua amada: - estava morta!»